Quando estar bem se torna mais uma obrigação
- Ana Catarina Gouveia

- 12 de nov.
- 3 min de leitura
Vivemos num tempo em que o “estar bem” se tornou quase uma exigência. O bem-estar deixou de ser um espaço que habitamos e passou a ser um objetivo que precisamos atingir, como se houvesse uma forma certa de o alcançar. Frases como “tens de pensar positivo” ou “tens tudo para estar bem” são ditas muitas vezes com boa intenção, mas escondem uma ideia perigosa: a de que o mal-estar é um erro a corrigir, e não uma experiência humana a compreender. A verdade é que, quando sentimos que temos de estar bem a todo o custo, começamos a usar o mesmo olhar de exigência que, tantas vezes, nos cansa noutras áreas da vida. Passamos a tratar o cuidado como uma obrigação, o descanso como uma fraqueza e o abrandar como perda de tempo. Aprendemos a disfarçar a exaustão, a sorrir por fora enquanto o corpo, silenciosamente, grita por dentro. E o corpo, que é sábio, avisa, através da irritabilidade, da falta de concentração, da tensão constante, do sono que já não descansa.
O bem-estar não é linear
Entre a vontade de manter o equilíbrio e o medo de falhar, esquecemo-nos de que o bem-estar não é linear. Há dias de força e outros de pausa. Há momentos de avanço e outros de recuo. E isso não é sinal de retrocesso, é o ritmo natural de um ser humano em movimento. O problema é que aprendemos a olhar para o “estar bem” como um estado permanente, e não como algo que oscila, como tudo o que é vivo.
O que a psicologia nos ensina sobre o controlo das emoções
Certos estudos na área de psicologia mostram-nos que quanto mais tentamos controlar ou evitar o que sentimos, mais nos desconectamos de nós próprios. É o que chamamos de evitação experiencial, quando o medo de sentir se torna maior do que o próprio sentir. Tentamos não pensar, não lembrar, não parar, mas a verdade é que o que não é acolhido permanece, apenas de outra forma. Fica no corpo, nos músculos tensos, nas dores difusas, no cansaço que não passa.

Cuidar de nós é escutar o essencial
Cuidar de nós não é acrescentar tarefas à rotina. É, muitas vezes, retirar o excesso de ruído para voltar a escutar o essencial. É perguntar com honestidade: “O que é que o meu corpo me está a tentar dizer?” ou “De que forma tenho ignorado as minhas próprias necessidades em nome de continuar a ser funcional?”. É permitir o desconforto, sem o transformar em inimigo. É aceitar que o bem-estar não é ausência de dor, mas presença de gentileza com o que existe. O verdadeiro autocuidado, aquele que realmente transforma, raramente é fácil. Por vezes, cuidar de nós significa admitir que estamos cansados. Outras vezes, significa aceitar que não conseguimos tudo ao mesmo tempo. E, quase sempre, significa sermos capazes de parar, respirar e reconhecer que o nosso valor não depende do que fazemos, mas do que somos, mesmo quando não estamos bem.

Estar bem é permitir-se ser humano
Estar bem não é estar sempre bem. É permitir-se ser humano, com tudo o que isso implica: contradições, fragilidade, força e recomeços. E talvez seja aqui que o equilíbrio verdadeiramente começa, quando deixamos de lutar contra o que sentimos e começamos a reconhecer o que precisa de ser acolhido. Este pode ser o lembrete de que não precisas de continuar a fingir que tudo está bem quando, na verdade, estás a tentar apenas aguentar. O teu corpo, a tua mente e as tuas emoções merecem ser escutadas com o mesmo cuidado que ofereces aos outros. E se sentes que esse caminho tem sido difícil de percorrer sozinho, talvez seja o momento de procurar um espaço seguro onde permitas reaprender a cuidar de ti, com tempo, com respeito e com presença.
Porque o verdadeiro bem-estar não se constrói à pressa. Acontece quando começamos, pouco a pouco, a estar connosco sem exigência, sem pressa e com verdade.
PSI ANA CATARINA GOUVEIA





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